domingo, 30 de agosto de 2009

O OLHAR FOTOGRÁFICO

Por : Brigitte Luiza Guminiak

O contexto gerado pela Revolução Industrial deu à vida um novo rumo. Além dos objetos industrializados, houve uma aceleração na produção, proporcionando a geração de novas necessidades e conceitos o que afetou também o mundo da Arte, no nosso caso, a fotografia, já que a modernização industrial apresentou equipamentos mais precisos e sofisticados.



Ressalta-se que o fotógrafo ao utilizar as novas técnicas e ao aderir às tecnologias inovadoras, isso não implica necessariamente em fazer uma arte nova. Ao contrário, pode perder a ânsia da busca de algo que represente as suas inquietações, seus prazeres e a consciência do público.


Essas inquietações e prazeres, segundo Simões & Galimberti (2000) estão impregnados no olhar do fotógrafo que investiga o proibido, vasculha o temido, não de fiscalizar, mas sim para oferecer uma oportunidade ao objeto fotografado para revelar-se e porque não dizer, rebelar-se.


O produto fotográfico é a imagem gerada para o espectador com suas evidências e sombras, fazendo o objeto renascer e adquirir vida nova, vida de imagem que alimenta o imaginário daquele que observa a fotografia.
Guarda-Chuvas - de German Lorca


Recorrendo a Wunenburger (2007), vemos que a fotografia, sendo imagem, é em si um texto a ser lido, interpretado, decifrado, comentado, discutido. Um texto provocativo e interativo com o espectador, servindo como reflexão texto provocativo e que interage com o espectador servindo como reflexço objeto renascer e adquirir vida nova, vida de imagem sobre o mundo e o estar no mundo, pois impregna de profundidade e sentido desde o momento em que se sabe que a imagem transcende os limites predeterminados da máquina fotográfica, já que as imagens nutrem o pensamento, e assim nos afastam do imediato, do real, abrindo a porta ao possível e aos sonhos, permitindo acesso a uma felicidade inédita, um regozijo dos sentidos, já que a imagem ativa o imaginário.



Tal proposição é reforçada em Joly (2006) quando afirma:

“[...] a imagem existe porque houve contigüidade física, é a própria emanação de um passado real. É uma verdadeira magia. É por isso que, com a ajuda da semelhança, confundiremos a fotografia com próprio ser, ou com uma parte do próprio ser e podemos tratá-la de maneira fetichista, como muitas vezes se faz com as fotos de namorados ou de pessoas desaparecidas. (p.129)”


A assertiva de Joly de que a fotografia emana de um passado real, reforça o signo da morte na fotografia que, segundo a autora, no mesmo instante em que se tira a fotografia, o objeto ou a pessoa desaparecem, se esse real existiu, é porque não existe mais, e a fotografia torna-se tão logo o próprio signo de que somos mortais e tudo é efêmero.


Ainda segundo Joly, a imagem tem sido muito manipulada e desprestigiada como meio de percepção, embora seja a percepção que dá importância ao olhar, já que é a forma de acesso ao outro, ao mundo e a mim mesmo, sendo que ao aprender a ver uma imagem, ao mesmo tempo ela encobre algo e também revela, como por exemplo, na expressão “o que você está olhando? Está vendo algo que eu não vejo?”.



Sim, quem admira uma fotografia, vê algo que outros não vêem e que somente o fotógrafo soube revelar, cabendo ao espectador interpretar por meio da percepção.

Uma consideração marcante a ser levantada é que a imagem, segundo Joly, é uma linguagem e, portanto, uma ferramenta de expressão e de comunicação, constitui uma mensagem para o outro, mesmo quando esse outro somos nós mesmos.



Para Joly, uma das precauções necessárias para compreender da melhor forma possível uma mensagem visual, no caso a fotografia, é buscar para quem foi produzida, ou seja, buscar o referente. Já que a fotografia carrega uma mensagem é justo compreender seu conteúdo e os critérios de referência, haja vista que a imagem fotográfica comunica uma relação entre o homem e o mundo, por exemplo, a foto de uma reportagem, ela revela algo sobre certa realidade, mas revela sobremaneira a personalidade, as escolhas, a sensibilidade do fotógrafo que a assina. Daí que fotografar é olhar, escolher, aprender. A fotografia não é a reprodução de uma experiência visual, apenas, mas a reconstrução de um paradigma (Joly:2006).



Cabe aqui observar o pensamento de Chauí (1985:31) quando lança especulações filosóficas em torno do olhar, afirmando serem os olhos as janelas da alma, ligados ao campo semântico da luz, da claridade, e por associação, o olhar que tornar visível o invisível.



Analisando com atenção as afirmações acima, vale destacar que a percepção do fotógrafo faz uma interseção entre o sujeito, a temporalidade e a existência num mundo mutável como o nosso.



Neste sentido, o olhar fotográfico exercita o pensar-sentir, observando tudo, pensando o sentimento e a subjetividade do mundo exterior, a refiguração do mundo. Com base nas assertivas acima descritas, nos suscita um questionamento que não quer calar: qual é o encanto da fotografia?



Buscando resposta à indagação, Joly talvez coloque luz quando distingue três fases diferentes na prática fotográfica: o “fazer”, que se refere ao operador; o “olhar”, que se refere ao espectador; o “sofrer”, que se refere ao espectrum (a imagem).



O “fazer” do ato fotográfico constitui o resultado do encontro entre o fotógrafo e o fotografado num momento único e instantâneo, sendo que a imagem está automaticamente terminada no próprio momento do “click”, esse momento decisivo (Joly, 2006: 126-127).

O olhar do fotografo que percebe o inusitado ao apreciar a imagem carregada de sensibilidade que transbordou a objetiva, penetra na intimidade do fotografado, como um instante único, um instante que se revela em imagem imortalizada.


Esse caráter único entre o fotógrafo e o objeto fotografado confere à fotografia a categoria de mimese perfeita, já que foge do convencional e dá um aspecto de aprisionamento, ou seja, foi “pego” ad eternum, mas que a imagem revela. E essa revelação nos diz qual a verdade que de fato esperamos ver na fotografia, ou seja, uma prova de existência do objeto/pessoa fotografada.

Para efeito desta reflexão, vale aqui um recorte para destacar a importância da percepção do fotógrafo ao olhar certas paisagens que se cruzam com a vida das pessoas: a cidade, a natureza, as próprias pessoas retratadas numa fotografia.

Sendo o olhar um dos sentidos mais atuantes, é por meio do olhar, portanto, que se inicia uma representação mítica inegável, por ser o portal entre o interior subjetivo e o exterior objetivo, haja vista que sempre esteve presente na vida do homem, principalmente a partir da invenção da fotografia. Desta maneira, é o olhar do fotógrafo imprescindível para se relacionar com o mundo real, e mais ainda, com o mundo virtual, uma vez que é fonte inesgotável de imagens provocadoras de desejos e aparências fugazes, como a própria vida é fugaz e efêmera. Desta feita, a fotografia aproxima o espectador do mundo já que com a imagem fotográfica cria um espaço onde cabe a interrogação provocativa do outro, imprescindível na relação que se estabelece entre o fotógrafo, o espectador e um terceiro, aquele que olhará mais tarde as fotografias.




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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela N. e FADEL, Tatiana. Português-Língua e Literatura. Coleção base. V. único. 1. Ed. São Paulo: Moderna, 2000.

COSTA, HELOUISE. A Fotografia Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Trad. Marina Appenzeller, Campinas, 10. ed. São Paulo: Papirus, 2006.

MELO, Maria Teresa Bandeira de. Arte e Fotografia: o movimento pictorialista no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998.

SANTANELLA, L. e NÖTH, W. Imagem –codificação, semiótica , mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008.

FLÜSSER, Vilém. O mundo codificado. TRad. Raquel Abi Sâmara. São Paulo: Cosac Nify, 2007.

WUNENBURGER Jean-Jaques. O Imaginário. Trad. Maria Stela Gonçalves. s.ed.,São Paulo: Loyola, 2007.


MIDIA ELETRÔNICA


ALVES, Ida Mª Santos Ferreira. Imagens de cidades na poesia de Nuno Júdice. Disponível em: http://www.geocities.com.br/ail_br/imagenscidadenapoesia.html, acessado em 20/03/2008.

ARTE, FOTOGRAFIA, NOVAS TÉCNICAS. Um redimensionar constante do saber. Disponível em
http://www.corpos.org/papers/artefoto.htm acessado em 08/02/2008.

CASTANHO, Eduardo. Arte e Cultura- fotografia. Disponível em
http://www.mrc.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/artecult/foto acessado em 15/01/2008.

CHAUÍ,Marilena.Convite à Filosofia. Disponível em
http://br.geocities.com/mcrost02/convite. Acessado em 08/02/2008.


LEITE, Enio. A História da Fotografia. Disponível em
http://focusfoto.com.br/fotografia-escola/ acessado 08/02/2008.


RIBEIRO, Suzana Barreto. Manual de Photographia: caminhos da técnica e da arte ou a profissionalização possível? Disponível em
http://www.studium.iar.unicamp.br/15/retratos/index.html acessado em 08/02/2008.

SERRANO, Daniel Portillo. Percepção. Disponível em
http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Percepcao.htm acessado em 18/010/2007.

SIMÕES, Gilmar&GALIMBERTI, Alessandra. O Olhar Fotográfico. Disponível em
http://gilmarsimoes.webcindario.com/portugues/olhar_fotografico.htm acessado em 26/07/2008.


domingo, 14 de junho de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - A Importancia da Escola Paulista

Desde a sua criação, o Foto Cine Clube Bandeirante posicionou-se de maneira diferenciada em relação à tradição fotográfica reinante, uma vez que os associados utilizaram a técnica como veículo de expressão do artista fotográfico.


Em 1947 circula a revista Íris, a primeira revista brasileira de fotografia de cunho comercial (Costa, 1995: 48).


Com o fito de organizar as atividades do clube, o Foto Cine Clube Bandeirante, em dezembro de 1950, promoveu a I Convenção Brasileira de Arte Fotográfica, da qual resultou a fundação da Confederação Brasileira de Fotografia e Cinema, que por sua vez passou a representar o Brasil na Fedération Internationale de L’Art Photographique (FIAP).


A partir da fundação do FCCB a fotografia moderna se expande e surgem Foto Clubes em todo o território nacional. Os diferentes caminhos abertos pelo FCCB, partindo da produção individualizada dos outros movimentos, provocou o surgimento do termo Escola Paulista de Fotografia pela crítica especializada.


De fato, as inovações e pesquisas inéditas, alavancadas pelo FCCB, definiram as características dos fotógrafos paulistas, como: quebra das regras clássicas de composição; uso freqüente do claro-escuro radical; ênfase nas linhas de força constitutivas do referente, ressaltando o potencial abstrato dos temas; forte tendência à geometrização dos motivos e a quebra do tradicional processo fotográfico (COSTA, 1995:49).


Mais uma vez recorrendo à Costa, ela salienta a importância do FCCB, quando afirma que

“A Escola Paulista referendou diferentes formas de relacionamento do fotógrafo com o processo fotográfico. Paralelamente à pesquisa da fotografia como exercício de visão, [...] diversos bandeirantes lançaram-se a inúmeras experiências de intervenção no processo fotográfico, com o intuito de adaptar a realidade perspéctica da imagem a uma plasticidade moderna.” (COSTA, 1995: 53).


A Escola Paulista passou a ser referência nacional, no entanto não mudou a produção fotográfica nacional, pois era encarada como modismo, e qualquer manifestação modernista na fotografia era considerada mera imitação, inclusive no interior do próprio FCCB. Essa convivência concorrida se deveu a dois fatores: inexistência de uma teoria estruturada que embasasse a estética moderna; inexistência de uma ideologia liberal que viesse de encontro com a burguesia crescente no país. Ressalta-se, entretanto, que vários fotógrafos integrantes da Escola Paulista, tiveram uma posição eclética, e atuaram com desenvoltura entre o clássico e o moderno, como Gaspar Gasparian, José Yalenti, Guilherme Malfatti e Ludovico Mungiolli.


O ápice da Escola Paulista se verificou na década de 50 e foi assim descrita, no discurso de apresentação do Anuário Brasileiro de Fotografia, pelo crítico Rubens Teixeira Scavone:

“O que se apresenta do Brasil, e em particular da denominada Escola Paulista, demonstra que entre nós a fotografia vive intensamente, com características próprias, situando-se em posição desacatada no âmbito mundial [...]. Genericamente, poderíamos dizer que a fotografia de hoje não é apenas a devolução mecânica de uma realidade visual. É muito mais do que isso. É visão particular através da sensibilidade escoimada e, principalmente, é criação em sentido amplo onde a realidade não se torna mero pretexto, veículo comunicativo, passaporte de tudo onde existe parcela enclausurada de beleza”. (COSTA, 1995: 59/60).


Como resultado desse trabalho experimental e de forte cunho artístico, a Escola Paulista abriu as portas dos museus, que até então se mantiveram alheios a essa forma de expressão artística. Podem-se citar as exposições do trabalho de Thomas Farkas no MASP em 1949, e também de Geraldo de Barros em 1950, German Lorca, no MAM-SP em 1952 e outros.


A partir do final dos anos 50, o fotojornalismo se modernizou e se consolidou nas revistas ilustradas, proporcionando questionamentos na prática fotográfica e introduzindo novos paradigmas que foram genericamente aceitos como os novos rumos da fotografia.
O crítico de arte, Frederico Morais, em 1959, sugeriu uma divisão na produção fotográfica fotoclubista: os chamados repórteres fotográficos; os formais e os abstratos concretos.
Sob o entendimento de Costa, o mesmo crítico, apontou as linhas gerais da proposta:

“ Para os repórteres fotográficos, a corrente de maior público,[...] a arte fotográfica se caracteriza fundamentalmente pela oportunidade do fato escolhido e também angulação, enquadramento e composição. Oportunidade e composição irão dar à fotografia seu sentido humano, poético ou mesmo caricatural. A esses, evidentemente, o elemento figurativo é essencial e, particularmente, a figura humana.” ( COSTA, 1995: 64).


A nota dominante de um novo tipo de relação entre o fotógrafo e o aparelho será constante nas produções fotográficas dos anos 60. O crítico Mário Pedrosa, analisando uma exposição fotográfica de Ivo Ferreira da Silva, ressaltou esse novo relacionamento quando afirmou que:

“[...] a relação, pois, entre ele, homem, ela máquina é a mais elementar possível. Como desde quando foi inventada, ela é aqui mero prolongamento dos órgãos do homem, um olho mais apercebedor e preciso, um braço mais longo, mãos mais preensíveis.” (COSTA, 1995: 65).


Alguns fotoclubistas retomaram o figurativismo, proporcionando uma renovação do movimento fotográfico moderno. De início, soa uma contradição, já que levou décadas para descaracterizar a representação da fotografia e impor uma visão estética, no entanto, a autonomia da linguagem fotográfica não foi alterada, já que o fotógrafo não mais se preocupa com a afirmação, mas com um movimento de construção de mundo e de olhar que foi fragmentado pelos modernistas.


Se antes, ocorria o abstracionismo, com a decomposição geométrica, neste novo vislumbre, o fotógrafo inter-relaciona os objetos propositadamente, realçando o efeito estético/plástico.


Esse processo de renovação da fotografia na Escola Paulista retomou o pictorialismo definindo a essência da prática fotográfica estética, o que jogou a fotografia num extremo oposto da conceituação construída, iludindo a maioria dos fotógrafos amadores quanto ao real valor de suas fotos.


A verdade é que no final da década de 50, José Oiticica propôs uma intervenção técnica, lançando-se ao abstracionismo, supervalorizando o trabalho de laboratório, lançando mão da montagem, passando pelo recurso a vidros corrugados e textura de tecidos, recriações fotográficas de desenhos ou pinturas do próprio autor. Essa intervenção técnica exagerada e exótica possibilitou o retorno da fotografia ao pictorialismo, já que assume características ora expressionistas, ora construtivistas.

Figura 3 - José Oiticica- Um que passa - 1953

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - O Movimento Fotoclubista no Brasil

Se a técnica pictórica era a base da fotografia artística nas décadas de 20 e 30, nos anos 40 o surgimento do Foto Clube Bandeirante formou uma sólida estrutura material e atingiu um alto nível de organização interna, fato que culminou, em 1942, com o 1º Salão de Arte Fotográfica de São Paulo, apoiado pela Prefeitura, e em 1945, foi criado o Departamento de Cinema, alterando a partir daí o nome do clube para Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB).


No ano seguinte, um boletim informativo, que divulgava o resultado dos concursos internos de fotografia do Clube, transformou-se na revista Boletim Foto Cine. No final da década uma tarefa mais árdua se apresentou, já que mudanças reais nos rumos da fotografia se faziam necessárias sob o risco de estagnação na arte fotográfica. Vários fotógrafos já haviam dado os primeiros passos em pesquisas individuais que permitiram identificar um “novo olhar” no sentido de romper com as práticas tradicionais de fotografar. Costa, em A Fotografia Moderna no Brasil (1995, p.35) identifica três fases distintas no percurso moderno da fotografia. São eles: os pioneiros, a Escola Paulista e a Diluição da Experiência Fotoclubista. Ainda, segundo Costa (1995:36):

“A fotografia moderna no Brasil surgiu e se desenvolveu no Foto Cine Clube Bandeirante. Os fotógrafos bandeirantes concretizaram uma transformação que abalou a tradição pictorialista e acadêmica do movimento amador.”



Os pioneiros modernos, José Yalenti, Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e German Lorca, provocaram uma profunda renovação na prática fotográfica, culminando no puro radicalismo moderno, atuando no espaço aberto e abandonando processos pictoriais. As mudanças se fizeram notar na temática, sob uma nova abordagem, mais sensível às apreciações da beleza do cotidiano, livrando-se assim das tradicionais paisagens e naturezas-mortas. Essa mudança possibilitou a construção de uma nova sensibilidade já que se retomou a experimentação no ato fotográfico.



José Yalenti, um dos sócios do Foto Cine Clube Bandeirante, iniciou sua prática fotográfica no período pictorialista, e concentrou sua experimentação na exploração da luz, levando-o a abandonar gradativamente os preceitos clássicos de iluminação, passando a fotografar na contraluz e incorporou a geometria nos motivos, dando ênfase a jogos de linha e planos, privilegiando o elemento arquitetônico, inaugurando assim a fotografia arquitetônica.
O trabalho do pioneiro Thomaz Farkas se caracterizou pelas pesquisas em várias direções, enfatizando ritmos, planos e texturas e recorrendo também à contraluz. Seu pioneirismo ficou evidente, já que, como relata Costa,

“Problematizou o movimento na fotografia, principalmente através de expressões de dança e, além disso, participou do Grupo Surrealista que pretendia usar a fotografia como um “meio de divulgação psicológica”. Foi, no entanto, na utilização de ângulos inusitados que o artista atingiu a maturidade de sua visão moderna, realizando um trabalho de grande personalidade”.



Figura 1-Thomas Farkas-Surrealistas



Farkas também inovou, contrariando o enquadramento frontal e introduzindo ângulos tortuosos e insólitos. No início da década de 50, Farkas passou a dedicar-se ao cinema amador.
As inovações e pesquisas dos pioneiros acima citados não interferiram no processo fotográfico propriamente dito, qual seja, fotografar, revelar ampliar, o que constituiu o foco das pesquisas de Geraldo de Barros.


Helouise Costa, em A Fotografia Moderna no Brasil (1995), considerando que Geraldo de Barros possuía experiência em artes plásticas, aponta as principais inovações por ele introduzidas na arte fotográfica:



“Fez fotos de cenas montadas e fotografou objetos, enfatizando o ritmo de seus elementos constitutivos. Foi, porém, através de uma pesquisa abstracionista que a sensibilidade do artista encontrou campo fértil e pôde se expandir, diluindo as fronteiras que convencionalmente separam a fotografia das artes plásticas [...]. Geraldo de Barros transgredia a realidade da cena fotografada através de inúmeras intervenções. Múltiplas exposições de uma mesma chapa, recortes, superposições e desenhos executados diretamente sobre o negativo, montagens fotográficas, cortes nas cópias já prontas, enfim, procedimentos que denotavam sua vontade de criar uma ordem autônoma para a fotografia”. (COSTA, 1995:43).



Quando Geraldo de Barros ingressou no Foto Cine Clube Bandeirante, 1949, foi convidado a montar o laboratório fotográfico do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e para isso contou com a ajuda de German Lorca e Thomaz Farkas, oportunizando acesso a um espaço fora do clube para realizar as experiências abstracionistas na fotografia.


Logo em seguida, em 1950, foi realizada no MASP a exposição Fotoforma, o que proporcionou um trabalho de vanguarda na arte fotográfica brasileira, onde as fotos expostas tinham um cunho eminentemente construtivo. Geraldo de Barros afirmava que não sabia o que era concretismo, contudo, anos mais tarde, suas fotos foram retomadas pelos artistas plásticos neoconcretistas.



Em um dos seminários do Clube, Geraldo de Barros, assim se manifestou a respeito da arte fotográfica: “Todo artista deve ser completamente livre, tendo compromisso apenas consigo mesmo” (COSTA, 1995:44).




Demonstrou, portanto, sua tendência de fugir ao lugar-comum das propostas fotoclubistas. Sua veia artística violou destarte o processo fotográfico o que determinou a desconsideração de suas experiências como fotografia, o que o levou a abandonar a fotografia, a partir de 1950, e ingressar na vertente concretista das artes plásticas.




Figura - Geraldo de Barros-Função Diagonal -1952

As inovações e experiências introduzidas por Geraldo de Barros proporcionaram o surgimento de uma nova sensibilidade e que marcou o trabalho de Lorca, já que esse “novo olhar” sobre cenas corriqueiras lança a fotografia no mundo surrealista, haja vista que “Através da fotografia o surrealismo abandona o terreno ideal da pintura e adquire novos contornos, materializando-se surpreendentemente no nosso cotidiano” (COSTA, 1995:46). German Lorca deixou o Foto Cine Clube Bandeirante nos primórdios da década de 50 e profissionalizou-se como fotógrafo publicitário.


O espírito inovador desses pioneiros do movimento moderno na fotografia brasileira destravou o caráter documental da prática fotográfica, embora seja um registro do real, esse real, codificado em imagem, desvela um poderoso meio de análise da natureza, como se verá em outro tópico.

terça-feira, 31 de março de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - PARTE IV



D.Pedro II e Família - a última antes do fim do Império- Foto de Otto Hees







No contexto histórico brasileiro, a fotografia foi utilizada como registro documental e como construção da imagem da sociedade brasileira e a auto-imagem do Império. Portanto, a moda da fotografia foi muito bem aceita e rapidamente fotógrafos estrangeiros aqui se estabeleceram, fugindo da concorrência na Europa, documentaram a transformação e o desenvolvimento social e econômico do Brasil.


Os senhores de engenho se utilizaram da fotografia para confirmar suas marcas na sociedade, como identidade e poderio econômico e político, pois ao escolher as poses em estúdio fotográfico demonstravam que o cliente assumia uma máscara social que, muitas vezes, não correspondia ao estilo de vida e o padrão social a que pertenciam revelando o comportamento e o acesso a bens culturais e de produção. A fotografia no Brasil possibilitou inventar uma memória para ser eternizada na sociedade brasileira do Século XIX.


Em Arte e Cultura[1], Castanho destaca os fotógrafos de expressão a partir da segunda metade do Século XIX, chamados de Pioneiros: Hércules Florence, Valério Vieira, Guilherme Gaensly e Militão Augusto de Azevedo. Aponta Valério Vieira como o primeiro a utilizar a fotografia como expressão pessoal ou criativa e desenvolver pesquisas em montagens fotográficas com múltiplos negativos. Em 1904 este fotógrafo recebe a medalha de prata pelo auto-retrato Os Trinta Valérios, na Feira Internacional de Saint Louis. Sua obra, uma vista panorâmica gigante da cidade de São Paulo, impressa em tela e pintada a óleo sobre emulsão fotográfica, pode ser apreciada hoje no Museu da Imagem e do Som em São Paulo.


Ainda segundo Castanho os artistas-fotógrafos considerados modernistas têm seus trabalhos acontecendo a partir da década de 1920, com destaque para Conrado Wessel (Buenos Aires, 1891-1983) não somente pelo trabalho fotográfico desenvolvido, mas também pela fabricação do papel fotográfico Wessel, o que contribuiu na divulgação do Brasil no meio fotográfico internacional. [2]


A partir dos anos 30, alguns fotógrafos alemães trouxeram as inovações estéticas do movimento Bauhaus[3] que repercutiu no meio fotográfico no tocante ao fotojornalismo e à expressão artística. Nesse período pode se afirmar que a fotografia brasileira tomou novos rumos com Geraldo de Barros dada sua formulação inovadora de pensar a fotografia, fato que será estudado no movimento do fotoclubismo no Brasil. Outros fotógrafos de destaque desse período podem ser citados: Alice Bril e Hans Gunther Flieg.


A fotografia brasileira teve seu ponto de mutação nos anos 60, designado por Castanho como “Realismo Poético” e composto por Boris Kossoy, Chico Albuquerque, Cláudia Andujar, David Drew Zingg, George Love, Jean Manzon, José Medeiros, Luis Humberto, Maureen Bisiliiat, Orlando Brito, Otto Stupakoff, Pierre Verger, Sérgio Jorge e Walter Firmo. Todos eles ousaram interpretar suas obras fotográficas, imprimindo, assim, a marca do autor às suas imagens.




[1] http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/pot/artecult/foto/realpoet/index.htm
[2] Papel Wessel: papel fotográfico à base de nitrato de prata misturado com brometo de potássio, cloreto de sódio e iodeto de potássio. Foi patenteado em 1922.
[3] Bauhaus: movimento de reforma e vanguarda das artes e ofícios. Alemanha, 1919 a 1933.

sábado, 7 de março de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - PARTE III

Primeiro Manual de fotografia brasileira



O grande impulso popular à fotografia foi dado por Eugene Disdéri, que primeiramente, reduziu o tamanho da fotografia ao criar o retrato carte de visite e posteriormente quando substituiu a placa metálica por um negativo de vidro, permitindo a multiplicação de cópias, o que proporcionou baixo preço e maior acesso à fotografia, provocando seu estouro de vendas no mercado.


No entanto, com a grande aceitação da fotografia na sociedade e a proliferação dos estúdios fotográficos, aliado ao crescimento industrial, a partir de 1860, o debate sobre o ato fotográfico como arte ou técnica ainda estava engatinhando.


Nesse mesmo período, um grupo de fotógrafos amadores, tenta mesclar as idéias de arte e técnica, dentre eles, os ingleses Julia Margareth Cameron e o escritor Lewis Carrol, que viam a fotografia como expressão artística, utilizando da liberdade de produção e criação, até então desconhecida entre demais fotógrafos profissionais.


Desse movimento, destaca-se Oscar Rejlander e Henry Peach Robinson, que efetuam seu trabalho com combinação de vários negativos, chamado de impressão composta, processo inicialmente concebido para uma solução de ordem técnica, mas que motivou o viés artístico. Com esse diferencial no seu trabalho, Rejlander é considerado o precursor das idéias pictorialista na fotografia. Esse fotógrafo argumenta, em favor da arte fotográfica ao reconhecer o “truque”, a intervenção do fotógrafo:

“especificidade do meio fotográfico era uma estranha mistura de verdade e ficção. Apesar da existência de um referente exterior ou de uma naturalidade transcendental, o “truque” (seletivo ou combinatório) é a marca que o fotógrafo imprime sobre a natureza”
(PAVAN, 1991:252).


Em 1858, Rejlander publica On Photographic Composition no qual apresenta alguns preconceitos a serem combatidos com relação à arte da fotografia:


“a opinião de que a fotografia era uma coisa simples, incapaz de apresentar uma obra elaborada e complexa; a crença de que a fotografia apenas poderia servir como ajuda ao artista interessado nos termos naturais, mas nunca aos interessados nos temas ideais; a convicção de que a fotografia jamais poderia construir uma perspectiva regular, sem desfoque” (REJLANDER, 1858 in PAVAN, 1991:.253).

Robinson, seguidor das idéias de Rejlander, em 1869, publica o livro Pictorial effect in Photography no qual, em suas palavras, afirma que “qualquer artifício, truque ou conjuração são abertos ao uso do fotógrafo; isso pertence à sua arte e não é falso à natureza. [...] É seu dever imperativo.” (ROBINSON, in : MELO,1998:28)

O enfoque pictorialista a partir de Rejlander, com a impressão composta, dá à fotografia a ilusão de uma criação única e a liberdade de interpretação, derrubando os conceitos firmados acerca dos valores estéticos e os critérios subordinados à praticidade, utilidade e objetividade da arte pictórica. A fotografia assume, então, uma posição eclética entre a técnica e a arte.


Embora o movimento pictorialista tenha se iniciado em meados de 1860, a data oficialmente considerada como nascedouro dessa concepção, foi em maio de 1891, com a primeira exposição do Camera Club de Viena, já que o regulamento restringiu a exposição a trabalhos exclusivos com caráter e valor essencialmente artístico e que apresentassem um “novo sistema de produção de imagem fotográfica e a renovação de sua estética” (MELO, 1998:35).


Melo nos apresenta a conceituação de pictorialismo como sendo uma forma de expressar o desejo de imitar a pintura. Etimologicamente, a palavra advém do inglês PICTURE, significando imagem, quadro, pintura, fotografia, etc. Pictorial, portanto, nos remete à pluralidade semântica de iconográfico, gráfico, plástico de acordo ao contexto empregado, o que evidencia o reconhecimento da fotografia como imagem artística, suplantando então os métodos e técnicas empregados.


Em oposição ao pictorialismo, na década de 1880, influenciado pelas novidades no processo fotográfico, Peter Henry Emerson, lança o fundamento do naturalismo por considerar as intervenções do fotógrafo na impressão composta um artificialismo, já que lança mão de cenas posadas em estúdios, tirando toda a naturalidade das imagens do mundo real. No seu livro Naturalistic photography publicado em 1889, afirma que “a arte é a expressão humana pelo intermédio da imagem do que consideramos belo na natureza”. Para ele a fotografia deveria ser tão natural quanto à visão humana.


O naturalismo parte do princípio de que a câmera não reflete o real, já que a percepção da visão humana focaliza todo o conjunto de uma cena ou paisagem, sendo que a seleção feita pelo olhar humano é psicológica.


Com as hipóteses de Emerson, é abordada, pela primeira vez com relevância a questão da representação do real:

“Como a única imagem legítima é aquela que o olho percebe, o referente da fotografia não é mais o real em si, (...) mas um real já colocado em imagem pelo olho e captado como uma ‘impressão’ pelo sujeito” (MELO, 1998: 35).


Essas ponderações no Brasil não chegaram a ser levantadas, quando a inovação por aqui se instalou, em 1840, sendo recebida com entusiasmo pelo Jornal do Comércio, que assim noticiou na sua edição de 17 de janeiro:


“Finalmente passou o daguerreótipo para cá os mares e a fotografia, que até agora só era conhecida no Rio de Janeiro por teoria, [...]. Hoje de manhã teve lugar na hospedaria Pharoux um ensaio fotográfico tanto mais interessante, quanto é a primeira vez que a maravilha se apresenta aos olhos dos brasileiros. [...] É’ preciso ver a cousa com seus próprios olhos para se fazer idéia da rapidez e do resultado da operação. Em menos de nove minutos, o chafariz do Largo do Paço, a Praça do Peixe, o Mosteiro de São Bento, e todos os outros objetos circunstantes se acharam reproduzidos com tal fidelidade, precisão e minuciosidade, que bem se via a cousa tinha sido feita pela própria mão da Natureza, e quase sem a intervenção do artista.”. [1]


[1] Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br acessado em 08/02/08

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - PARTE II





Primeiramente, a fotografia é encarada como técnica, sob o ponto de vista da utilidade, e os manuais traziam o modo de uso para se fotografar. No ano de 1851, em Londres, teve lugar a primeira Exposição Universal na qual foram expostos diversos produtos industriais e máquinas.


Nela aconteceu, pela primeira vez, uma mostra internacional de fotografia, com a presença de fotógrafos londrinos, parisienses e nova-iorquinos, fato que representou, de maneira oficial, o reconhecimento público da fotografia, concretizando a existência de um movimento fotográfico na Europa e nos Estados Unidos. Esse fato, contudo, não revelou nem provocou uma uniformidade no que se refere aos processos fotográficos utilizados nem quanto à organização dos fotógrafos. Com relação aos processos fotográficos, havia uma variedade de técnicas nos países participantes da Exposição. Nos EUA, prevalecia o daguerreótipo; na França fazia-se uso dos calótipos[1] e na Inglaterra prevalecia a fotografia realizada com negativos de vidro.


Por esta época a organização do grupo de fotógrafos ainda não era nítida, pois havia somente três revistas sobre o assunto: The Daguerreion Journal (1850) e The Photographic Art Journal (1851) em Nova York e La Lumière (1851) em Paris, mas as primeiras associações foram surgindo no decorrer da década de 1850, como a Photographic Society of London (1853) e a Société Française de Photographie (1855).


Sabe-se, segundo Melo, que a Exposição Universal londrina (1851) favoreceu o campo do conhecimento, das pesquisas e as produções fotográficas no sentido de divulgar as inovações ensejando o intercâmbio na área técnica e artística, o que contribuiu para o debate em torno da fotografia, já que surgiram os primeiros resultados das pesquisas implementadas para multiplicar as provas fotográficas e diminuir o tempo de exposição no momento da tomada. (1998:21)


Como vimos, vários fatores motivaram a busca por novos materiais e processos fotográficos mais rápidos já que com o desenvolvimento industrial uma nova classe econômica - a burguesia - estava se firmando no mercado, sedenta por novidades e o lucro fácil com a mecanização dava o tom do novo ritmo econômico em ascensão. Nesse contexto encontramos uma acirrada disputa por lucro e progresso e o inicio da discussão sobre o papel artístico ou não da fotografia. Se vista como arte ou simples técnica será tema de debates e as opiniões divergem conduzindo a lados opostos: de um lado os que reconhecem a fotografia como arte e de outro, aqueles que a consideram uma mera técnica, e essa dicotomia opinativa levou à formação de dois grupos distintos, com a finalidade de garantir o mercado consumidor tanto na área artística como na difusão do trabalho técnico fotográfico.


A polêmica atravessa a sociedade e é incentivada pela imprensa divulgando a criação da Société Française de Photographie (SFP) e a Exposição Universal de Paris que defendiam a fotografia como um campo da arte, em 1855. A Société Française de Photographie foi criada para divulgar as realizações, pesquisas e discussões sobre a fotografia, reforçando sua natureza artística frente a seus opositores. Era mantida por sócios e recebia contribuições de personalidades simpatizantes à causa, além de incentivar o patrocínio das indústrias de equipamentos ligados à fotografia, nas realizações em que o exercício fotográfico se desenvolvia em busca de uma linguagem artística própria.


Por outro lado, o outro grupo que vislumbrava a fotografia no campo técnico fundou a revista La Lumière, dirigida por Ernest Lacan, focaliza os interesses econômicos dos fotógrafos, a venda de suas obras (a fotografia), ou seja, a especulação privada, classificando as afirmativas da SFP como “simples clube de discussões”.


Torna-se importante notar que a posição da Société Française de Photographie é ambivalente visto que organiza uma exposição fotográfica, simultaneamente à Exposição Universal de Londres, e cria um concurso, em 1856, com fins comerciais, trazendo à fotografia o status de Arte e dinamiza a divulgação como tal, ao mesmo tempo em que vincula em seu espaço de atuação a técnica e a indústria, uma vez que nela se apóia para se firmar no mercado.


[1] Processo patenteado em 1841 por William Henry Fox Talbot pelo qual se utilizavam negativos sobre papel.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - PARTE -I - HISTÓRICO

Por: Brigitte Luiza Guminiak


São Paulo- German Lorca


Pensarmos sobre arte e tecnologia juntos pode, a princípio, parecer uma proposta estranha, mas, como ambas retratam o desenvolvimento humano no decorrer da história, acreditamos que possibilite traçar um paralelo em seus caminhos e talvez nos revele ainda mais sua aproximação.

Sob a ótica da arte, a fotografia vem travando ao longo de seu percurso o dilema de ser ou não arte, dada às técnicas empregadas para se reproduzir as imagens captadas no mundo real, e tratarmos aqui de pesquisar, ao menos em parte, este tema.

A arte, em sua história, mostra-nos que sempre lançou mão de múltiplos recursos para sua execução, indo em busca tanto de suportes variados,quanto técnicas que assimilariam conhecimentos que vão desde a mumificação no Egito, construções de monumentos, castelos, fabricação de tintas e pincéis, litografia, xilogravura, off-set, etc. até, evidentemente, evoluir e atualizar seus métodos sempre encontrando na infindável criatividade humana novas e diferentes propostas. Não é o propósito neste instante relembrarmos passo a passo o caminho percorrido pela arte, e seria redundância pontuar que sempre esteve presente na vida do homem.

A interessantíssima história da fotografia acompanhou o contexto histórico da Revolução Industrial do Século XIX, encabeçada pela França e Inglaterra. Cronologicamente, temos que em 1827, na França, a descoberta da heliogravura[1] por Nicephore Niepce e em 1839 o processo positivo em papel, de Hypolyte Bayard e, também em 1839, encontramos Louis Jacques Mandé Daguérre inventou a Daguerreotipia[2], e na Inglaterra, de 1835, William Henry Fox Talbot apresentou a Calotipia[3].

No Brasil, em 1832, na cidade de Campinas, São Paulo, Hercules Florence, criou a palavra FOTOGRAFIA para designar uma de suas descobertas, a gravação de imagens pela ação da luz, processo baseado no princípio da reprodutibilidade, como conhecemos hoje (negativo/positivo), cinco anos antes de John Herschel, a quem a história atribuiu a criação do vocábulo. Esse fato ficou oculto por 140 anos, somente sendo conhecido e reconhecido internacionalmente quando da publicação da obra “1833: a Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil” – Editora Duas Cidades, 1980, por Boris Kossoy. Dada a simultaneidade na descoberta tecnológica, torna-se difícil a identificação de um só inventor, de tal tecnologia, podendo-se, no entanto, afirmar que ela teve seus alicerces nesses inventores.

A discussão em torno da fotografia se acirrou na Europa, na década de 1830, haja vista a enfática declaração do pintor Paul Delaroche: “de hoje em diante, a pintura está morta” (Demanchy & Puyo, 1906, p.52). Essa afirmação demonstra o grande impacto que a invenção da fotografia causou no mundo das artes plásticas, mais precisamente, na pintura, que até então inclui a arte de retratar entre suas tarefas. Nos círculos mais conservadores da sociedade francesa e nos meios religiosos “a invenção foi chamada de blasfêmia, e Daguérre era condecorado com o título de ‘idiota dos idiotas’ (Damanchy e Puyo, 1906, p.32)”.

[1] Heliogravura: Designação genérica dos processos de obtenção de imagem, por via fotomecânica (processo de impressão no qual o clichê tipográfico é obtido pela fotografia), de formas de impressão gravadas em oco, bem como dos processos de impressão que utilizam essas formas.

[2] Daguerreotipia: trata-se do processo. fotográfico criado por Daguerre, e que consistia em fixar numa película de prata pura, aplicada ao cobre, a imagem obtida na câmara escura.

[3] Calotipitia: (ou talbotipia) produzia imagens em negativo, a qual podia depois ser reproduzida ad aeternum em positivo.