terça-feira, 31 de março de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - PARTE IV



D.Pedro II e Família - a última antes do fim do Império- Foto de Otto Hees







No contexto histórico brasileiro, a fotografia foi utilizada como registro documental e como construção da imagem da sociedade brasileira e a auto-imagem do Império. Portanto, a moda da fotografia foi muito bem aceita e rapidamente fotógrafos estrangeiros aqui se estabeleceram, fugindo da concorrência na Europa, documentaram a transformação e o desenvolvimento social e econômico do Brasil.


Os senhores de engenho se utilizaram da fotografia para confirmar suas marcas na sociedade, como identidade e poderio econômico e político, pois ao escolher as poses em estúdio fotográfico demonstravam que o cliente assumia uma máscara social que, muitas vezes, não correspondia ao estilo de vida e o padrão social a que pertenciam revelando o comportamento e o acesso a bens culturais e de produção. A fotografia no Brasil possibilitou inventar uma memória para ser eternizada na sociedade brasileira do Século XIX.


Em Arte e Cultura[1], Castanho destaca os fotógrafos de expressão a partir da segunda metade do Século XIX, chamados de Pioneiros: Hércules Florence, Valério Vieira, Guilherme Gaensly e Militão Augusto de Azevedo. Aponta Valério Vieira como o primeiro a utilizar a fotografia como expressão pessoal ou criativa e desenvolver pesquisas em montagens fotográficas com múltiplos negativos. Em 1904 este fotógrafo recebe a medalha de prata pelo auto-retrato Os Trinta Valérios, na Feira Internacional de Saint Louis. Sua obra, uma vista panorâmica gigante da cidade de São Paulo, impressa em tela e pintada a óleo sobre emulsão fotográfica, pode ser apreciada hoje no Museu da Imagem e do Som em São Paulo.


Ainda segundo Castanho os artistas-fotógrafos considerados modernistas têm seus trabalhos acontecendo a partir da década de 1920, com destaque para Conrado Wessel (Buenos Aires, 1891-1983) não somente pelo trabalho fotográfico desenvolvido, mas também pela fabricação do papel fotográfico Wessel, o que contribuiu na divulgação do Brasil no meio fotográfico internacional. [2]


A partir dos anos 30, alguns fotógrafos alemães trouxeram as inovações estéticas do movimento Bauhaus[3] que repercutiu no meio fotográfico no tocante ao fotojornalismo e à expressão artística. Nesse período pode se afirmar que a fotografia brasileira tomou novos rumos com Geraldo de Barros dada sua formulação inovadora de pensar a fotografia, fato que será estudado no movimento do fotoclubismo no Brasil. Outros fotógrafos de destaque desse período podem ser citados: Alice Bril e Hans Gunther Flieg.


A fotografia brasileira teve seu ponto de mutação nos anos 60, designado por Castanho como “Realismo Poético” e composto por Boris Kossoy, Chico Albuquerque, Cláudia Andujar, David Drew Zingg, George Love, Jean Manzon, José Medeiros, Luis Humberto, Maureen Bisiliiat, Orlando Brito, Otto Stupakoff, Pierre Verger, Sérgio Jorge e Walter Firmo. Todos eles ousaram interpretar suas obras fotográficas, imprimindo, assim, a marca do autor às suas imagens.




[1] http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/pot/artecult/foto/realpoet/index.htm
[2] Papel Wessel: papel fotográfico à base de nitrato de prata misturado com brometo de potássio, cloreto de sódio e iodeto de potássio. Foi patenteado em 1922.
[3] Bauhaus: movimento de reforma e vanguarda das artes e ofícios. Alemanha, 1919 a 1933.

sábado, 7 de março de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - PARTE III

Primeiro Manual de fotografia brasileira



O grande impulso popular à fotografia foi dado por Eugene Disdéri, que primeiramente, reduziu o tamanho da fotografia ao criar o retrato carte de visite e posteriormente quando substituiu a placa metálica por um negativo de vidro, permitindo a multiplicação de cópias, o que proporcionou baixo preço e maior acesso à fotografia, provocando seu estouro de vendas no mercado.


No entanto, com a grande aceitação da fotografia na sociedade e a proliferação dos estúdios fotográficos, aliado ao crescimento industrial, a partir de 1860, o debate sobre o ato fotográfico como arte ou técnica ainda estava engatinhando.


Nesse mesmo período, um grupo de fotógrafos amadores, tenta mesclar as idéias de arte e técnica, dentre eles, os ingleses Julia Margareth Cameron e o escritor Lewis Carrol, que viam a fotografia como expressão artística, utilizando da liberdade de produção e criação, até então desconhecida entre demais fotógrafos profissionais.


Desse movimento, destaca-se Oscar Rejlander e Henry Peach Robinson, que efetuam seu trabalho com combinação de vários negativos, chamado de impressão composta, processo inicialmente concebido para uma solução de ordem técnica, mas que motivou o viés artístico. Com esse diferencial no seu trabalho, Rejlander é considerado o precursor das idéias pictorialista na fotografia. Esse fotógrafo argumenta, em favor da arte fotográfica ao reconhecer o “truque”, a intervenção do fotógrafo:

“especificidade do meio fotográfico era uma estranha mistura de verdade e ficção. Apesar da existência de um referente exterior ou de uma naturalidade transcendental, o “truque” (seletivo ou combinatório) é a marca que o fotógrafo imprime sobre a natureza”
(PAVAN, 1991:252).


Em 1858, Rejlander publica On Photographic Composition no qual apresenta alguns preconceitos a serem combatidos com relação à arte da fotografia:


“a opinião de que a fotografia era uma coisa simples, incapaz de apresentar uma obra elaborada e complexa; a crença de que a fotografia apenas poderia servir como ajuda ao artista interessado nos termos naturais, mas nunca aos interessados nos temas ideais; a convicção de que a fotografia jamais poderia construir uma perspectiva regular, sem desfoque” (REJLANDER, 1858 in PAVAN, 1991:.253).

Robinson, seguidor das idéias de Rejlander, em 1869, publica o livro Pictorial effect in Photography no qual, em suas palavras, afirma que “qualquer artifício, truque ou conjuração são abertos ao uso do fotógrafo; isso pertence à sua arte e não é falso à natureza. [...] É seu dever imperativo.” (ROBINSON, in : MELO,1998:28)

O enfoque pictorialista a partir de Rejlander, com a impressão composta, dá à fotografia a ilusão de uma criação única e a liberdade de interpretação, derrubando os conceitos firmados acerca dos valores estéticos e os critérios subordinados à praticidade, utilidade e objetividade da arte pictórica. A fotografia assume, então, uma posição eclética entre a técnica e a arte.


Embora o movimento pictorialista tenha se iniciado em meados de 1860, a data oficialmente considerada como nascedouro dessa concepção, foi em maio de 1891, com a primeira exposição do Camera Club de Viena, já que o regulamento restringiu a exposição a trabalhos exclusivos com caráter e valor essencialmente artístico e que apresentassem um “novo sistema de produção de imagem fotográfica e a renovação de sua estética” (MELO, 1998:35).


Melo nos apresenta a conceituação de pictorialismo como sendo uma forma de expressar o desejo de imitar a pintura. Etimologicamente, a palavra advém do inglês PICTURE, significando imagem, quadro, pintura, fotografia, etc. Pictorial, portanto, nos remete à pluralidade semântica de iconográfico, gráfico, plástico de acordo ao contexto empregado, o que evidencia o reconhecimento da fotografia como imagem artística, suplantando então os métodos e técnicas empregados.


Em oposição ao pictorialismo, na década de 1880, influenciado pelas novidades no processo fotográfico, Peter Henry Emerson, lança o fundamento do naturalismo por considerar as intervenções do fotógrafo na impressão composta um artificialismo, já que lança mão de cenas posadas em estúdios, tirando toda a naturalidade das imagens do mundo real. No seu livro Naturalistic photography publicado em 1889, afirma que “a arte é a expressão humana pelo intermédio da imagem do que consideramos belo na natureza”. Para ele a fotografia deveria ser tão natural quanto à visão humana.


O naturalismo parte do princípio de que a câmera não reflete o real, já que a percepção da visão humana focaliza todo o conjunto de uma cena ou paisagem, sendo que a seleção feita pelo olhar humano é psicológica.


Com as hipóteses de Emerson, é abordada, pela primeira vez com relevância a questão da representação do real:

“Como a única imagem legítima é aquela que o olho percebe, o referente da fotografia não é mais o real em si, (...) mas um real já colocado em imagem pelo olho e captado como uma ‘impressão’ pelo sujeito” (MELO, 1998: 35).


Essas ponderações no Brasil não chegaram a ser levantadas, quando a inovação por aqui se instalou, em 1840, sendo recebida com entusiasmo pelo Jornal do Comércio, que assim noticiou na sua edição de 17 de janeiro:


“Finalmente passou o daguerreótipo para cá os mares e a fotografia, que até agora só era conhecida no Rio de Janeiro por teoria, [...]. Hoje de manhã teve lugar na hospedaria Pharoux um ensaio fotográfico tanto mais interessante, quanto é a primeira vez que a maravilha se apresenta aos olhos dos brasileiros. [...] É’ preciso ver a cousa com seus próprios olhos para se fazer idéia da rapidez e do resultado da operação. Em menos de nove minutos, o chafariz do Largo do Paço, a Praça do Peixe, o Mosteiro de São Bento, e todos os outros objetos circunstantes se acharam reproduzidos com tal fidelidade, precisão e minuciosidade, que bem se via a cousa tinha sido feita pela própria mão da Natureza, e quase sem a intervenção do artista.”. [1]


[1] Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br acessado em 08/02/08