quarta-feira, 8 de abril de 2009

A FOTOGRAFIA SOB UM OLHAR NEÓFITO - O Movimento Fotoclubista no Brasil

Se a técnica pictórica era a base da fotografia artística nas décadas de 20 e 30, nos anos 40 o surgimento do Foto Clube Bandeirante formou uma sólida estrutura material e atingiu um alto nível de organização interna, fato que culminou, em 1942, com o 1º Salão de Arte Fotográfica de São Paulo, apoiado pela Prefeitura, e em 1945, foi criado o Departamento de Cinema, alterando a partir daí o nome do clube para Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB).


No ano seguinte, um boletim informativo, que divulgava o resultado dos concursos internos de fotografia do Clube, transformou-se na revista Boletim Foto Cine. No final da década uma tarefa mais árdua se apresentou, já que mudanças reais nos rumos da fotografia se faziam necessárias sob o risco de estagnação na arte fotográfica. Vários fotógrafos já haviam dado os primeiros passos em pesquisas individuais que permitiram identificar um “novo olhar” no sentido de romper com as práticas tradicionais de fotografar. Costa, em A Fotografia Moderna no Brasil (1995, p.35) identifica três fases distintas no percurso moderno da fotografia. São eles: os pioneiros, a Escola Paulista e a Diluição da Experiência Fotoclubista. Ainda, segundo Costa (1995:36):

“A fotografia moderna no Brasil surgiu e se desenvolveu no Foto Cine Clube Bandeirante. Os fotógrafos bandeirantes concretizaram uma transformação que abalou a tradição pictorialista e acadêmica do movimento amador.”



Os pioneiros modernos, José Yalenti, Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e German Lorca, provocaram uma profunda renovação na prática fotográfica, culminando no puro radicalismo moderno, atuando no espaço aberto e abandonando processos pictoriais. As mudanças se fizeram notar na temática, sob uma nova abordagem, mais sensível às apreciações da beleza do cotidiano, livrando-se assim das tradicionais paisagens e naturezas-mortas. Essa mudança possibilitou a construção de uma nova sensibilidade já que se retomou a experimentação no ato fotográfico.



José Yalenti, um dos sócios do Foto Cine Clube Bandeirante, iniciou sua prática fotográfica no período pictorialista, e concentrou sua experimentação na exploração da luz, levando-o a abandonar gradativamente os preceitos clássicos de iluminação, passando a fotografar na contraluz e incorporou a geometria nos motivos, dando ênfase a jogos de linha e planos, privilegiando o elemento arquitetônico, inaugurando assim a fotografia arquitetônica.
O trabalho do pioneiro Thomaz Farkas se caracterizou pelas pesquisas em várias direções, enfatizando ritmos, planos e texturas e recorrendo também à contraluz. Seu pioneirismo ficou evidente, já que, como relata Costa,

“Problematizou o movimento na fotografia, principalmente através de expressões de dança e, além disso, participou do Grupo Surrealista que pretendia usar a fotografia como um “meio de divulgação psicológica”. Foi, no entanto, na utilização de ângulos inusitados que o artista atingiu a maturidade de sua visão moderna, realizando um trabalho de grande personalidade”.



Figura 1-Thomas Farkas-Surrealistas



Farkas também inovou, contrariando o enquadramento frontal e introduzindo ângulos tortuosos e insólitos. No início da década de 50, Farkas passou a dedicar-se ao cinema amador.
As inovações e pesquisas dos pioneiros acima citados não interferiram no processo fotográfico propriamente dito, qual seja, fotografar, revelar ampliar, o que constituiu o foco das pesquisas de Geraldo de Barros.


Helouise Costa, em A Fotografia Moderna no Brasil (1995), considerando que Geraldo de Barros possuía experiência em artes plásticas, aponta as principais inovações por ele introduzidas na arte fotográfica:



“Fez fotos de cenas montadas e fotografou objetos, enfatizando o ritmo de seus elementos constitutivos. Foi, porém, através de uma pesquisa abstracionista que a sensibilidade do artista encontrou campo fértil e pôde se expandir, diluindo as fronteiras que convencionalmente separam a fotografia das artes plásticas [...]. Geraldo de Barros transgredia a realidade da cena fotografada através de inúmeras intervenções. Múltiplas exposições de uma mesma chapa, recortes, superposições e desenhos executados diretamente sobre o negativo, montagens fotográficas, cortes nas cópias já prontas, enfim, procedimentos que denotavam sua vontade de criar uma ordem autônoma para a fotografia”. (COSTA, 1995:43).



Quando Geraldo de Barros ingressou no Foto Cine Clube Bandeirante, 1949, foi convidado a montar o laboratório fotográfico do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e para isso contou com a ajuda de German Lorca e Thomaz Farkas, oportunizando acesso a um espaço fora do clube para realizar as experiências abstracionistas na fotografia.


Logo em seguida, em 1950, foi realizada no MASP a exposição Fotoforma, o que proporcionou um trabalho de vanguarda na arte fotográfica brasileira, onde as fotos expostas tinham um cunho eminentemente construtivo. Geraldo de Barros afirmava que não sabia o que era concretismo, contudo, anos mais tarde, suas fotos foram retomadas pelos artistas plásticos neoconcretistas.



Em um dos seminários do Clube, Geraldo de Barros, assim se manifestou a respeito da arte fotográfica: “Todo artista deve ser completamente livre, tendo compromisso apenas consigo mesmo” (COSTA, 1995:44).




Demonstrou, portanto, sua tendência de fugir ao lugar-comum das propostas fotoclubistas. Sua veia artística violou destarte o processo fotográfico o que determinou a desconsideração de suas experiências como fotografia, o que o levou a abandonar a fotografia, a partir de 1950, e ingressar na vertente concretista das artes plásticas.




Figura - Geraldo de Barros-Função Diagonal -1952

As inovações e experiências introduzidas por Geraldo de Barros proporcionaram o surgimento de uma nova sensibilidade e que marcou o trabalho de Lorca, já que esse “novo olhar” sobre cenas corriqueiras lança a fotografia no mundo surrealista, haja vista que “Através da fotografia o surrealismo abandona o terreno ideal da pintura e adquire novos contornos, materializando-se surpreendentemente no nosso cotidiano” (COSTA, 1995:46). German Lorca deixou o Foto Cine Clube Bandeirante nos primórdios da década de 50 e profissionalizou-se como fotógrafo publicitário.


O espírito inovador desses pioneiros do movimento moderno na fotografia brasileira destravou o caráter documental da prática fotográfica, embora seja um registro do real, esse real, codificado em imagem, desvela um poderoso meio de análise da natureza, como se verá em outro tópico.